terça-feira, 6 de outubro de 2015

errata do dia de hoje.

hoje preciso te pedir desculpas. 
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que você me perdoe pelo colo que não dei. pela pergunta que fingi não escutar. pela negociação na qual poderia ter cedido e não cedi. pelo momento juntas em que estive completamente ausente. pelo caminho percorrido de mãos dadas que não aproveitei. pelos suspiros impacientes. pela música que não cantei junto. pelo aconchego que não ofereci. pelo carinho que neguei.
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as vezes, filha minha, as mães tem um dia muito esquisito. um dia em que lá no fundo - ou não tão fundo assim - elas desejam voltar a ser só filhas e ter colo, respostas, acordos, presença, companhia, paciência, aconchego e carinho. 
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o amanhã não muda o que foi hoje. mas hoje mudou o que será amanhã. amanhã serei melhor. prometo. 

segunda-feira, 27 de julho de 2015

quando foi que a militância pelo direito ao parto normal virou luta contra as mulheres que fizeram cesáreas?

querida mulher que passou de forma consciente por uma cesariana para que seu filho nascesse,

a luta a favor do parto normal não é contra você. 

quem busca e consegue um parto normal - ainda que esteja sujeita uma série de violências obstétricas - não acha que você ama menos o seu bebê e ela ama mais o dela por que você optou passar por uma cirurgia e ela não. é serio. se tua via de parto foi respeitada e a dela também, parabéns! ambas são privilegiadas por isso, você sabia? sim, pois dentre a clientes de planos de saúde, mais de 60% das mulheres começam sua gestação afirmando que querem ter seu bebê por parto normal, sabemos que menos de 20% tem seu parto por via vaginal. que tipo de escolha é essa?
como podemos falar de respeitar a vontade da mulher quando essa ‘opinião’ muda tão radicalmente em algumas semanas?  existe um mercado sustentado por essas cirurgias pré-agendadas – e que, não raro, são ditas ‘de emergência’ para a gestante e sua família. um hospital que ganha mais se tem previsão exata de quantas pacientes passarão pela sala de parto por dia. equipes médicas ganham que mais se planejam bem seu tempo dentro do hospital e dentro do consultório. imagine o que gasta uma paciente que opta por parir naturalmente em contraste com uma que passa por uma cirurgia onde há a necessidade de incontáveis recursos hospitalares. cabe a nós questionar o funcionamento desse mercado e refletir o quão ético é seguir alimentando o mesmo, não?
é indiscutível que cabe a mulher a total autonomia sobre o seu corpo. e não somente no parto, desde o seu nascimento. e essa autonomia passa pela consciência. meninas precisam conhecer seus corpos, aprender que podem se tocar, se conhecer, se masturbar e não ter vergonha disso. saber sobre reprodução vai muito além de contar os prováveis 28 dias do ciclo menstrual e colocar camisinha em banana num curto tempo de aula de ciências no oitavo ano. ensinemos as nossas meninas sobre o método Billings, alternativas aos absorventes de farmácia – absorventes de pano, coletores -, sobre formas de lidar com as cólicas. arranquemos o rótulo tragicômico da tensão pré-menstrual. ensinemos a elas a lidarem com seus corpos em vez de temerem os mesmos.
nós crescemos ouvindo como o corpo feminino é defeituoso: somos o sexo frágil; somos muito magras ou estamos acima do peso; nossos peitos são muito pequenos, muito grandes, caídos, diferentes entre si; o quadril é muito largo ou muito estreito. não há corpo feminino perfeito possível! o que nos é apresentado na mídia chega a ser risível, se olharmos atentamente. buscamos a cintura da Cinderela ou os seios da Lara Croft? tudo isso diminui a confiança da mulher sobre o próprio corpo. e o momento da gestação/parto/amamentação é só mais um momento onde olhamos para nós mesmas desacreditadas. quem vai se entender capaz de parir quando tem para isso uma ferramenta tão imperfeita e tão falha como o corpo feminino?
mulheres têm a confiança minada, pela ideia de que seus corpos são falhos e incapazes (ou elas mesmas o são, por consequência) e precisam de ajuda médica. como a mulher pode “escolher” se os médicos estão direcionando essa escolha? se os convênios possuem taxas de quase 90% de cesáreas há algo de muito grave nos corpos das mulheres ou no atendimento obstétrico?
o movimento da humanização do parto – que é plural e polifônico como todo movimento social – de modo geral propõe justamente divulgar informação para que a mulher tenha autonomia em relação ao seu corpo e seu parto. não é uma luta anti-escolha, muito menos anti-mulher-que-faz-cesárea, mas a favor da autonomia da mulher.
estamos jogando no mesmo time.


Ana Luz



colaboração: Marina Nucci

quarta-feira, 15 de julho de 2015

telefone sem fio.

ela no quarto.
eu no banheiro.
ela me grita de um canto da casa.
eu respondo de outro.

- mamain-nhê, cadê vuxê?
- tô no banheiro.
- vuxê tá fazendo totô?
- tô.
- e a vovó?
- não.
- cadê a vovó?
- tá no quarto dela.
- ela tá fazendo totô?
- espero que não.
- então tá bom. beijo.*

sabe aquele constrangimento que rola quando você tem que responder alguma coisa de dentro do banheiro? pois é, passou.

*agora ela tá nessa vibe de se despedir a cada fim de diálogo.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

palavrinhas mágicas.

- mamain-nhê, me dá bolinho?
- como se fala, filha?
- obrigada!
- não. você está pedindo...?
- licença!
- licença é pra passar. você está pedindo 'por fá...'
- papel!
- ...
- maimain-nhê, me dá bolinho?
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'té lê?' - pedia a bebê-turning-menininha enquanto (per)seguia qualquer adulto da casa com o livro na mão.

'Leia!' - ordena a menina-rainha jogando a obra escolhida no colo do leitor da vez dando a ele pouca ou nenhuma chance de resposta.

de onde surgiu este imperativo? onde foi parar o por favor?

ela fica mais ariana a cada dia que passa.

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quarta-feira, 3 de junho de 2015

mãe-avestruz.

são inúmeras e hilárias! as histórias que ouvimos de criança colocando os pais em situações de saia-justa. como qualquer fase, eu sabia que meu dia chegaria. como vários marcos da vida dela, veio antes do que eu esperava. não pensei que seria assim tão cedo. com 2 anos e 2 meses, Dora me fez desejar ser um avestruz pra poder enfiar a cabeça num buraco no chão. Tudo o que eu queria era su-mir.

entramos no metrô. uma senhora nos cede o lugar. normalmente eu não aceitaria vindo de alguém mais idoso, mas a combinação carro-cheio-com-duas-sacolas-e-criança não me permitiu tal educação, aceitei. a senhora ficou por ali puxando papo com Dora, que dividia sua atenção entre sua boneca e suas botas, ela não tava mesmo muito afim de papo. eu, tentando retribuir a gentileza da senhora, estimulo um diálogo: “filha, a senhora está falando com você, por que não dá boa noite a ela e agradece por nos ceder o lugar? Diga: obrigada, senhora”. Dora olha pra mim, olha pra senhora, mete o dedo na barriga da senhora e exclama para quem quisesse ouvir naquele vagão lotado “téin neném atí, mamain!? teeein!?”

preciso dizer que não tinha?

desnecessário, filha. desnecessário.


sábado, 9 de maio de 2015

seja mãe, não tenha razão.

positivo. parabéns! aproveita a barriga. cuidado pra não engordar muito. tem que ser parto normal, é melhor pra mãe e pro bebê. marca logo a cesárea, vai sofrer pra quê? 

isso mesmo, tem que amamentar. leite materno é amor líquido, essencial para o vínculo entre a mãe e o bebê. dá logo a mamadeira, o pai também tem direito a esse momento. seu leite é fraco. tá chorando, é sede, dá um gole d’água. esse menino dorme demais. mas ainda não dorme a noite inteira? nessa idade meu filho já ia direto até de manhã. olha só, já tá engatinhando! tira ele do chão, tadinho. dá só um biscoito, pra não aguar. você perde esse tempo todo fazendo comida pra ele jogar no chão? você deixa ele muito solto. fica tempo demais no colo. bota na creche, que melhora. tadinho, fica o dia todo na creche! você tem coragem de deixar em casa com babá? você está em casa cuidando dele até agora? mas e a sua vida? não vai voltar ao trabalho? a mulher não pode esquecer da vida por causa de filho. vai sair pra se divertir... que você está fazendo na rua uma hora dessas, não tem filho pequeno pra cuidar?

ele já tá na escola tão novinho? escola tem que ser tradicional, pensar no futuro. essa escola é muito rígida, criança tem que ser criança. não pode dar tudo o que o menino pede, não vai aprender a dar valor as coisas. só um presentinho por bom comportamento não faz mal a ninguém. aniversário de criança tem que ser comemorado. com o dinheiro que ela gastou nessa festa eu teria feito uma viagem. toda menina gosta de rosa. por que tudo dela tem que ser rosa? deixa um minuto na frente da tv pra você descansar. essa criança assiste televisão demais. você tá criando essa criança numa bolha. você é dura demais com ele. pra que tanta atividade extra curricular?  como assim ele passa a tarde em casa sem nenhuma atividade? ele não faz aula de nada?

já sai a noite tão nova? deixa a menina aproveitar a adolescência. você não dá limites, a vida vai ensinar pra eles. deixa de ser careta. deve ser triste vê-los saindo de casa tão cedo. eles ainda moram com você? e então, quando vêm os netos?



segunda-feira, 4 de maio de 2015

chorando a morte do 'tachoio'.

e, assim, sem mais nem menos você joga na minha cara que é Dora. sim, eu sei que esse é o seu nome. fui eu que escolhi e sou muito feliz com a minha escolha. todos elogiam. e não consigo pensar em nome que mais lhe coubesse. então, você me pergunta, qual a surpresa? por que o choque? 


a questão, minha filha, é que até semana passada você era Dóia. e assim como o meu smartphone volta e meia me pega com uma atualização de aplicativo qualquer pela qual eu não solicitei, você está constantemente adquirindo novas habilidades. e faz questão de sair por aí falando seu nome ‘certo’.


exageros e dramalhão a parte, o Dola ainda é muito mais comum que Dora, admito. mas o erre está ali, tímido, mas está ali. e daí que presença dele me faz perceber a partida de outras palavrinhas com as quais eu já tinha me habituado e que são (eram? eram..!) música para os orgulhosos e babões ouvidos de uma mãe coruja.


de uma hora pra outra, a Dóia virou Dola, o tachoio já é cacholo, fifufoni deu lugar ao telefone, tuto virou suco, dato Fufu é gato Chuchu... e meu coração se enche de um paradoxal orgulho nostálgico a cada nova atualização do mais fofo dos aplicativos.